29/01/2017

Por que fazemos o que fazemos? #Resenha

"Uma vida pequena é aquela que nega a vibração da própria existência. O que é uma vida banal, uma vida venal? É quando se vive de maneira automática, robótica, sem uma reflexão sobre o fato de existirmos e sem consciência das razões pelas quais fazemos o que fazemos."
(Mario Sergio Cortella) 



        O livro Por que fazemos o que fazemos? de Mario Sergio Cortella trata das inquietações com a carreira e o trabalho, instiga-nos a refletir e a nos conscientizarmos sobre as razões pelas quais realizamos nossas atividades cotidianas e a darmos um significado a elas. 

          Cortella além de escritor é professor universitário, palestrante e uma espécie de pop star da filosofia. Onde quer que ele esteja, tem sempre uma multidão de seguidores e ouvidos atentos a cada uma de suas concepções filosóficas. A linguagem do livro é de fácil compreensão e possui muitas referências de outros filósofos e sociólogos que também contribuíram com suas asserções sobre o tema.






          O autor adverte inúmeras vezes sobre a importância de conhecer o propósito da função que se desempenha.


"Se o seu propósito for tão somente ganhar dinheiro, então, não sofra. É para isso. Pronto." 


          Embora muitas vezes há um outro propósito que vai muito além disto. O propósito de obter reconhecimento, uma percepção autoral ou realizar-se. Porque segundo Cortella, o propósito de fazer o que se faz apenas para manter-se vivo não deixa de ser um propósito, mas não é o melhor.



"Temos de trabalhar! Podemos fazê-lo para mera obtenção da sobrevivência ou também como um modo de marcar nossa presença no mundo!"


           A rejeição à segunda-feira, a ansiedade da chegada pelo fim de semana e a tristeza de ter que acordar cedo para ir trabalhar indicam que precisamos de um propósito. Os primeiros capítulos nos direcionam ao propósito maior do trabalho.
          Nos mantemos porque trabalhamos ou trabalhamos para nos mantemos? Se precisamos de uma ocupação, precisamos saber a necessidade daquilo que fazemos. Compreender a finalidade de nossas funções é ser um trabalhador consciente e evita o trabalho robotizado, automático e alienado. Um trabalho alienado diz respeito à não compreensão das razões que te levam a fazer o que faz.
          O capítulo 4 "Rotina não é monotonia" traz um novo olhar sobre a rotina. A rotina pode não ser tão ruim, aliás, rotina não é monotonia. Rotina é disciplina, inclusive o autor dá o exemplo de que quando se entra em um avião, espera-se que o piloto siga os padrões rotineiros para um voo seguro. Rotina é organização e o perigo é quando a rotina se torna automática e a pessoa não mais presta atenção àquilo que faz. A monotonia que é a morte da motivação. E segundo o autor, a monotonia é inútil para todas as relações e não só as de trabalho.
          A forma mais simples para motivar-se é ir em busca de novos desafios. O famoso: "Sair da zona de conforto."
          Também é necessário investir em formação. Quem busca estar mais capacitado, mais bem preparado e atualizado nos assuntos inerentes à sua área tem mais chances de ter mais oportunidades.
           Tomando sempre o cuidado de realizar (tornar real) aquilo que você almeja e não viver na procrastinação.
           Baseando-me no título do livro, alguns amigos de diferentes profissões responderam ao questionamento "Por que você faz o que faz? As respostas podem ser conferidas abaixo, e em cada uma delas, um trecho do livro.



Por que você faz o que faz?


"Infelizmente gostaria de dizer que tomei esse ofício por gosto, mas não foi. Ele provém da necessidade. No caso necessidade de não passar necessidade. Eu aprendi a gostar dele, o que é bem diferente." Jonatan Martins - Contador 


"No século XXI, o conhecimento é muito importante para a inovação, criação, para que o indivíduo não se sinta alguém que apenas ganha seu sustento, mas que colabora, realiza e tem uma vida com propósito." 


"Porque gosto. Não sou bem remunerada, mas eu gosto. Mas eu não gosto só de ser professora, gosto de ensinar química." Elizabeth Passos - Professora de química 



"O retorno financeiro tem importância, mas é relativa. A principal causa de desmotivação é a ausência de reconhecimento." 



"Faço porque amo a profissão." Ester Sales - Fisioterapeuta 



"O que motiva alguém a ser o que é está no fato dele se reconhecer no que faz [...] Uma pessoa motivada faz algo decisivo: ela procura excelência. A expressão latina excellens significa "aquilo que ultrapassa", "aquilo que vai além". uma pessoa excelente é aquela que faz mais que a obrigação" 



"Porque não sei fazer outra coisa a não ser consertar carros." Luis Braga - Eletricista de automóveis 



"As razões para fazer aquilo que faço hoje não são necessariamente as mesmas que eu tinha no começo dessa trajetória. Por que eu faço o que faço hoje? Porque eu me construí como um fazedor disso, e quero me manter nessa feitura, de modo que eu possa continuar me fazendo. Deixar de fazê-lo seria me desfazer." 



"Faço para ter estabilidade, mas não é o que gosto." Marlom Bortolluzi - Técnico Administrativo 


"Há muitos caminhos honrados, há muitos negócios decentes, é procurar não desperdiçar tempo - tempo é vida. [...] Somos acometidos pela sensação de valorizarmos sempre o que não estamos fazendo. Uma espécie de nostalgia que nos acompanha. E isso também tem a ver com o fato de que escolher implica abdicar de algo. Nós somos seres de insatisfação. [...] O que é o ser humano? É a capacidade de ter essa lacuna. Uma vez preenchida, estamos desumanizados." 

"Trabalho com eventos porque amo ajudar a realizar o sonho das noivas, mas gosto mesmo é do agito, dos preparativos e de planejar cada detalhe com o perfil de cada cliente. Ver o resultado é gratificante." Luciana Pina - Gestora de eventos 

"Nós fazemos o trabalho, mas, em certo sentido, ele também nos faz. Isso acontece na medida em que o trabalho ajuda a moldar as nossas habilidades e competências. As atividades que realizamos contribuem para formar a nossa identidade profissional." 

"Uma profissão eu exerço por causa do meu chamado. Ou seja, me foi doado e eu gosto de fazer. A outra eu descobri a pouco tempo. Ainda estou descobrindo um monte de coisas." Glória Dias - Educadora cristã e Artesã 

"Somos carentes de necessidade. Ou construímos o nosso mundo, ou não há condição de existir."

"Exerço pois foi a minha primeira experiência profissional. Mas eu quero continuar crescendo." Lucas Xavier - Militar 

"Uma vida com propósito, é aquela em que sou autor da minha própria vida. Eu não sou alguém que vou vivendo. [...] Enquanto aguardamos aquilo que virá, não podemos deixar de viver aquilo que pode ser vivido agora." 

"Fui fazer simplesmente porque pintou a possibilidade, mas a ideia de um aparelho através de ondas eletromagnéticas mudarem a harmonia de um corpo, me encantou! Cada dia uma novidade, uma coisa diferente, as pessoas chegam tristes, quando saem se sentem melhores e mais bonitas. Somos amigas, pastoras, confidentes, às vezes mãe e psicóloga. Às vezes só ouvimos, choramos juntas, rimos juntas, falamos sacanagens absurdas. Enfim, eu não escolhi a estética, ela me escolheu. Fui chamada a esse mundo para amar. Eu amo as pessoas e amo o que a estética faz com as pessoas." Isabel Cândido - Esteticista 

"As pessoas não querem apenas ter o emprego, mas algo que dê sentido à sua existência, que as ajudem a ganhar a vida cuidando de outras vidas."

"Porque isso me permite contribuir para tornar a realidade projetos literários que venham a abençoar e edificar milhares de vidas, ofertando-lhes crescimento e conhecimento." Maurício Zágari - Jornalista, editor de livros e escritor 

"Qual o meu principal propósito de natureza ética? Me elevar, não ter uma vida degradante, mas elevar comigo toda a minha circunstância, aqueles que me acompanham. A ética entra nesse circuito porque o propósito da vida coletiva, e não só individual, deveria ser fazer com que a vida fosse melhor para todos e todas." 

"Faço o que faço, pois trabalhar na área de saúde é uma servidão! Assim como a Palavra nos orienta. Acredito que dou o melhor, mesmo não sendo profissional da área de saúde" Lenon Barros - Servidor público da área administrativa de um hospital 


"Existe um firme propósito que é servir. A finalidade primordial da função desenvolvida não é a aquisição material, mas a ideia do trabalho como consequência de servir a uma causa."

"Amo docência, essa arte de ensinar me encanta. Sempre acreditei que a educação através do turismo é como um portal que transporta a pessoa a um conhecimento amplo de mundo que a faz querer buscar esse conhecimento cada vez mais aprofundado sobre as ciências, exatas ou humanas. O turismo, além de possibilitar o lazer - uma necessidade humana - também permite a troca de experiência entre os "mundos" existentes nos lugares e nas relações humanas. E eu, como guia de turismo e docente, estou perto da realidade. Ser um agente que possibilita essa mudança é algo que me encanta, por isso eu estou nessa profissão." Bianca Magalhães - Guia de turismo e professora de Estudos Turísticos para ensino fundamental. 


"Somos humanos e por isso temos ação como os outros animais, mas temos ação transformadora consciente."




          Várias sentenças do livro Porque fazemos o que fazemos? me lembraram o título do best-seller (não lido por mim) de Rick Warren: Uma vida com propósitos e também me lembraram o existencialismo. Quando ele fala de escolhas, liberdade e angústia.

          O livro de Cortella é muito especial. Eu raramente leio livros não literários, mas valeu a pena ler cada parágrafo, aliás esse termo valer a pena é algo que Cortella traz á nossa reflexão também. A palavra pena neste contexto, significa castigo, penitência. E quando a gente fala que algo valeu a pena, quer dizer que valeu o sacrifício. Neste caso, valeu o valor investido na compra do livro e o tempo que levei para lê-lo.

          Com este esclarecimento, ele afirma que tudo o que fazemos tem sim uma parte desagradável de se fazer. Ainda que se siga exatamente aquela carreira que se considere a mais relevante ou a mais bonita, existem determinadas atividades em toda profissão que são chatas de serem praticadas. Por exemplo, ainda que lecionar seja o orgulho de um professor, o tempo em que ele gasta corrigindo provas, pode não ser muito agradável para ele; ou um artista circense que para realizar um único espetáculo precisa ensaiar muitas vezes e isso pode ser algo enfadonho; ou até mesmo um atleta que vai participar de uma determinada competição, talvez não ache muito agradável ter que fazer dietas e treinar excessivamente para estar bem preparado fisicamente.

          Apesar do otimismo do autor, a realidade também não foi ocultada. Cortella utilizou uma palavra que eu acredito que é a chave para todas as coisas: Equilíbrio. Entre as intenções e condições, ou seja, entre aquilo que almejamos e aquilo que realmente podemos fazer. Também adverte sobe a importância da paciência e da compreensão de que toda crise passa. Seja ela em que área for.

          Destaco o olhar humanizado do autor transcrito perceptivelmente de forma tão respeitosa e valiosa sobre cada categoria: Religião, família, trabalhador, empresa... E também destaco sua insistência no foco de instigar a prática daquilo que não venha ferir os princípios de cada um e a sua forma de ressaltar a importância daquilo que é ético e perene.

          Ainda que seja um livro que diga a respeito da área profissional, também podemos nos basear nos conceitos que ele contém para todas as áreas da nossa vida.





Livro: Por que fazemos o que fazemos?
Autor: Mario Sergio Cortella
Editora: Planeta
Páginas: 174
Ano: 2016
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04/01/2017

Acordes

"As pessoas que resolviam as coisas em geral tinham muita persistência e um pouco de sorte. Se a gente persistisse o bastante, a sorte em geral chegava. Mas a maioria das pessoas não podia esperar a sorte, por isso desistia." (SORTE - Charles Bukowski)
 

Imagem meramente ilustrativa. Fonte: Omegahits


“Você tem certeza que será bom viajar sozinho?” A pergunta surge em minha mente de maneira forte e real, me passando a sensação de que havia sido repetida, naquele momento. Torcendo levemente o pescoço, olho de soslaio à esquerda como para me certificar de que realmente só eu havia ouvido.
Não sei o que fazer. Já dormi no ônibus mais do que dormira em toda a minha vida e não tenho a mínima vontade de ler uma frase sequer do livro que minha mãe meteu na mochila, mesmo estando agora com ele em mãos.
Era do meu velho.
Nunca nem havia aberto o livro. Sei do que se trata apenas pelo título: Harmonia e improvisação.
Passo as mãos pelos cabelos e miro no reflexo da janela meu penteado desgrenhado em um coque mal feito. Mexo no queixo e dou uma breve alisada na barba que será retirada assim que eu retornar.
Minhas mãos se agitam em minhas pernas e, deixando o livro no banco ao lado, começo a tocar um piano invisível quando o blues de John Lee Hooker começa a reverberar em minha memória, depois meus dedos passam a dedilhar as cordas de uma guitarra imaginária. Em breves instantes eu movo os punhos fechados com baquetas e uma bateria imaginária à minha frente também. Bato os pés no chão acompanhando o compasso. Conforme a canção cresce, meus ombros e cabeça tomam o ritmo de forma enérgica e apaixonada. Uma pantomima executada tranquilamente já que ninguém conseguirá assistir meu show particular e enlouquecido. A escuridão é tão presente que com ousadia eu mordisco o canto do lábio inferior, dou uma piscadela e aponto os dedos indicadores para frente, complacente com a aprovação da platéia.
Paro.
Abro a mochila.
Fecho.
Mexo nos bolsos da calça à procura de algo que eu não faço ideia do que seja, mas que possa me tirar dessa sensação horrenda de não saber o que fazer. Respiro fundo e vasculho ao redor com os olhos imensos alguém com que possa conversar, mas ao que tudo indica, todos dormem. Ou pelo menos a maioria. E eu não suporto mais essa aflição.
Movo-me para direita em direção à janela. As trevas haviam ganhado a estrada lá fora. Levanto-me e vou ao banheiro mesmo sem vontade e quando volto, fico na mesma posição tentando imaginar uma vida perfeita para mim e inventando possibilidades de situações inesperadas e quase impossíveis na minha viagem. E é assim que a fantasia me tira do estado agonizante de tédio.
O dia amanhece e chegamos à rodoviária.
Chego onde eu havia feito minha reserva e depois do check in, sigo apressado para o quarto e largo a mochila no chão ao lado da cômoda, tomo um banho afim de apressado ganhar o mundo com a única tecnologia que trouxe: Minha câmera fotográfica. Na verdade eu só tenho um único sentimento e não é o de ganhar o mundo, mas sim, Capitólio.
A senhora que perguntou se eu tinha a certeza de que seria bom viajar sozinho foi a mesma que insistiu para que eu abandonasse a ideia de não levar o celular comigo. A essa hora ele já teria tocado inúmeras vezes e certamente já devia ter incontáveis mensagens. Mas eu precisava de uma semana longe de tudo, longe do meu mundo assoberbado de pressões e dúvidas.
Volto ao quarto e aviso à minha mãe que havia chegado bem e que ela não precisava se preocupar. Antes que ela pudesse me avisar que alguém havia procurado por mim, eu me apresso em dizer que a próxima ligação seria quando eu estivesse voltando daqui a 5 dias.
Rumo a um dos destinos mais aguardados da Cidade, meus pés se apressam sob meu corpo trêmulo de ansiedade e satisfação. Nunca havia viajado sem que fosse por motivos de trabalho e as viagens eram sempre curtas.
Passo na recepção e tomo algumas informações de como chegar ao meu sonhado Lago de Furnas, confesso mentalmente o que desde o ônibus eu insistia negar: Eu não devia, em uma cidade desconhecia abrir mão quase radicalmente do meu materialismo. Eu precisava do meu aparelho celular agora para me orientar.
Vou seguindo as orientações passadas. Não estou longe. Meus pés seguem programados acompanhando o caminho dos turistas.
Um rapaz negro de óculos escuros e roupa de ciclista coloca seu capacete e monta em uma bike. Ele me lembrou o Fábio bass. Um dos melhores baixista que eu conhecia. Com o pizzicato limpo e a seriedade típica de todo baixista. Ele e o Julio batera faziam um groove massa! Me apelidaram de Jimi. Uma alusão ao melhor guitarrista de todos os tempos. Jimi Hendrix. Quem me dera! 
Talvez o cara que eu vi estivesse indo ou voltando do Morro do Chapéu, o próximo local que eu visitaria. Mas agora era ao famoso Mar de Minas que se voltava todo o meu fôlego. Seus cânions elevados e a água límpida. Todas as minhas expectativas estavam depositadas à beleza que me encantava quando eu pesquisava cada fotografia e cada ponto turístico, como a cachoeira da Lagoa Azul. Tudo, absolutamente tudo já havia me tirado o fôlego bem antes de meus olhos terem a real possibilidade de tocarem cada local. 
Meus olhos brilharam por algo que eu sempre desejei fazer antes de me prender a algo que eu sempre rejeitei. 
Estava satisfeito com a minha rotina cansativa e quase surreal, com o meu sorriso nos lábios e o assédio feminino de todos os shows, da minha carteira com pouco dinheiro e até das incertezas diárias, mas do meu coração batendo forte a cada som era do que eu mais gostava.
Mas neste momento eu acredito veemente que tudo passa. 
Fui comprado por um salário fixo bem pago. Tocar? Só no tempo livre.
Lembro agora com um sorriso sombrio, ocultando o coração pesaroso, da última conversa com o produtor dizendo que contava comigo para uma gravação... 
Que gravação? Não teria gravação! Não comigo.
Eu não ia me render a tocar um ritmo que não suporto, só porque é o mais tocado e o mais pedido. Eu repetia isso revoltado como uma desculpa para as minhas decepções, mas não era só esse o motivo. Também não era por vontade própria. Mas era tão necessário quanto urgente. E eu já tinha tomado minha decisão. 

02/01/2017

Acidez