22/02/2017

Cartas contemporâneas - Um amor possível?

Sim, os opostos se atraem! Mas também se estranham. 
Duas pessoas completamente diferentes já se relacionaram,
e as consequências deste envolvimento não foram tão agradáveis. 
No entanto, algum tempo se passou e a coragem 
para dizer o que nunca foi dito ganha potência. 
E junto com a coragem, o reconhecimento dos erros cometidos.
Recordações dos pequenos gestos retornam agora em forma de remorso, 
mas também de saudade. 


Foto meramente ilustrativa: Ator Mario Casas


Olá, Julia! Como vai?

         Aqui é o Pedro. Faz três anos que não nos falamos. Já tem um tempo que eu queria falar com você. Eu nem sei como começar isso... Mas vou tentar ser natural e dizer exatamente o que me motivou a lhe escrever.
Hoje a Cátia, minha tia esteve aqui com a família comemorando o aniversário da minha mãe. Veio com toda a família. Só o Hugo que nunca sai de casa não quis vir. Mas eu entendo o motivo dele. É aniversário de uma senhora de 64 anos. Na idade dele, eu faria o mesmo. Não pelos mesmos motivos, porque o vício dele é completamente diferente do meu.
Na idade dele, eu faria o mesmo e fiz, faltava a maioria dos eventos de família. É que eu não gostava de perder tempo com “bobagens” e “conversas improdutivas”. Pelo menos era assim que eu pensava.
Na idade do Hugo, eu não sabia nada de games, estaria estudando certamente. Era só isso que eu sabia e gostava de fazer. Pesquisar, estudar, trabalhar... Até hoje, na verdade. Você sabe bem disso, não é?
Tantas vezes eu desmarquei nossos encontros para fechar mais um contrato, ler mais um capítulo, terminar mais uma planilha, conseguir mais um cliente, participar de mais uma reunião, realizar mais um curso, mais uma capacitação, obter mais um diploma...
Eu vivi a minha vida inteira pensando em mim, eu sempre quis trabalhar mais, ganhar mais, buscar mais conhecimentos e não vivia a vida de forma mais amena e você me mostrava como isso era fácil. Eu não conseguia enxergar.
Estou escrevendo porque não tenho mais seus números. E também porque dentre tantas coisas que estão acontecendo comigo, o que mais me motivou a te procurar foi o seguinte fato: A Giovanna, neta da minha tia Cátia, que já está com 6 anos, lembra dela? Bem, ela estava comendo o bolo de chocolate e em um descuido, eu deixei meu celular em cima da mesa e ela pegou dizendo que queria jogar. E quando ela me devolveu o celular, estava sujo de bolo. Sua lembrança veio automaticamente nesse momento.
Eu fiquei muito tenso na hora, pelo fato de me dar conta que eu sempre briguei com você por esse motivo tosco, não é? Não sabia antes que era tosco, agora eu sei.
E eu fiquei olhando aquele celular grudento e recordando o quanto você é doce. E o quanto eu daria tudo para ver você novamente lendo as receitas no meu celular só porque a tela é maior, levando ele para a cozinha e sujando ele de maionese, de chantili, de molho... Uma vez ele ficou com cheiro de camarão... rsrs Eu encrencava com coisas tão idiotas! Eu nunca conseguia te fazer um elogio.
Eu já tinha me dado conta antes da merda que fiz, mas essa questão com a Gigi foi o estalo que eu precisava para ter a coragem de te procurar.
Só agora eu me dei conta que eu tinha um tesouro, uma mulher linda, e eu nunca ressaltava suas qualidades, mas reclamava de tudo sem motivos.
Eu quero te pedir desculpas por brigar com você só por deixar suas roupas emboladas no meu guarda-roupa e por esquentar demais só pelo fato de você não devolver meus livros à minha estante depois que lia. Eu sinto falta das pequenas coisas, inclusive das que eu mais reclamava.
Eu queria muito que você me perdoasse por só perceber agora que você merecia que eu te desse mais valor.
Você conhece a minha família melhor do que eu. Não há um único evento em que não perguntem por você. É como se quisessem jogar na minha cara que eu perdi uma mulher incrível por sempre ser sistemático, ritualístico, metódico, chato... Eu sou um babaca!
Lembrei de quando ficava te testando. Fazendo perguntas que eu tinha certeza que você não responderia. E você sorria e me chamava de chato me dando a língua. Essa expressão tão inocente não sai nunca da minha cabeça.
Lembrei também da vez que te fiz chorar porque te chamei de... louca e você estava muito irritada e acabou chorando e indo embora de uber porque não queria nem que eu te levasse em casa. E eu nunca te pedi perdão por isso, mas você me perdoou.
Semana passada eu assisti aquele filme que você me indicou: "O leitor".
Como eu passei tanto tempo sem conhecer essa obra fantástica? Achei incrível! Eu sempre achava uma forma de te convencer a assistir os títulos que eu queria. Fiquei surpreso com o enredo do filme. É simplesmente brilhante! Obrigado!
Também visitei seu vlog outro dia, assisti ao vídeo sobre as formas de usar turbantes. Fiquei muito contente por você agregar ao seu “look”, como você mesma diz, à pulseira que você sabe que foi minha mãe que comprou para eu te dar. É que eu nunca soube escolher nada para alguém e devo lhe confessar que nunca me importei em presentear alguém, mesmo que esse alguém fosse a minha namorada. Acho que na verdade, eu nunca me importei com ninguém, só comigo mesmo.
E eu fiquei lá admirando a pessoa comunicativa que você é. Mais de 30 mil seguidores... Que bacana! Vendo esses e outros vídeos, percebi o quanto você é divertida, o quanto você é talentosa!  Eu tive tanto orgulho, que nem parece que eu implicava tanto com você por causa disso e que pedia pra você focar em algo importante. E isso é tão importante para você, não é? Desculpe!
         Tenho 4 meses de namoro com a Ana e a gente se viu umas 5 vezes no máximo. Eu achava que era melhor assim. Mas a Ana é fria. Ela consegue ser mais fria que eu. Da última vez que ela veio aqui e eu tentei fazer uma massagem, ela disse que não gostava de massagens de pessoas que não são profissionais. “Você pode me aleijar” ela falou tirando minhas mãos dos seus ombros. Percebi que com você tudo era mais divertido. Tudo fluía. Você é bem-humorada, engraçada...
Eu nunca gargalhei com a Ana. Eu nunca gargalhei com ninguém. Só você tinha esse poder. Eu achava que seu jeito expansivo e despreocupado era bem louco, embora neste momento o que eu mais queria era que você com esse sua loucura me ajudasse a tirar um sorriso do meu rosto, porque eu nunca fui dado a sorrisos, mas sem você, é impossível deles aparecerem.
De todas estas tuas encantadoras qualidades, eu nunca vou esquecer-me do teu altruísmo. Eu nem sabia que alguém podia ter essa qualidade de verdade. Eu lembro do olhar carinhoso e do jeito delicado com o qual você se ofereceu para dar comida à minha avó. Você se sentou ao lado da cadeira de rodas dela, pegou o prato da mão da cuidadora, deixando ela brava e ficou alimentando a minha avó e conversando, como se ela pudesse interagir com você. Até poderia se dizer que era uma forma de tentar agradar, mas... quando a cuidadora teve que deixar nossa casa e minha mãe e minha tia se viram sozinhas para cuidarem da minha avó, você se ofereceu para estar aqui algumas manhãs pra lhe ajudar a dar banho e trocar os curativos, você revezou com elas para dormir no hospital quando minhas primas, suas netas, não apareciam, por estarem como eu, resolvendo seus próprios problemas.
Eu era um idiota! Você foi muito inteligente em ter me deixado. Acho que na verdade, eu tinha inveja desse teu jeito leve e divertido. Eu queria ser tão leve quanto você. Era por isso que eu te irritava tanto.
Eu só quero lhe dizer que você é a melhor pessoa que eu conheci.
Eu nunca fui capaz de te agradecer pelo que você fez por mim e por minha família. Obrigado por amar tanto uma pessoa amarga como eu.
Você não tem noção do meu remorso. E é com lágrimas que eu te escrevo e te digo que é uma pena eu não ter sentido e reconhecido a grandeza da sua personalidade antes de você desistir de mim.
Enquanto viver, te desejarei o melhor sempre!
  

Pedro Pardini

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Para ler a resposta de Júlia: Clique aqui!

15/02/2017

Filme: Quando te conheci (Equals) #crítica

Título original: Equals

Título no Brasil: Quando te conheci

Diretor: Drake Doremus

Gênero: Drama, ficção científica, romance

Música: Sacha Ring

Lançamento: 2016

Elenco Principal: Nicholas Hoult  - Silas

                              Kristen Stewart - Nia

                              Guy Pearce - Jonas

                              Jacki Weaver - Bess


Imagine um mundo
onde os SENTIMENTOS
são proibidos


Eu me apaixonei perdidamente por esse filme. Não só pelo personagem principal Silas (Nicholas Hoult), que além de lindo demonstra um jeito todo especial de revelar sua paixão por Nia (Kristen Stewart), mas pela forma delicada de como as cenas foram apresentadas e interpretadas por todo o elenco. Foi um tipo de filme que eu fiquei pensando: Uau! O cinema é uma arte maravilhosa! 


Ator Nicholas Hoult como Silas

Assim como é bem subjetivo a forma com que cada pessoa percebe e sente cada arte, seja uma música, um quadro, um poema, uma escultura... Cada um vai ter a sua própria percepção do filme, portanto, talvez alguém depois de ler esta crítica possa achar o filme muito ruim, mas o fato é que eu me identifiquei tanto com o filme que até suspeito que foi eu que escrevi o roteiro. Hahaha
A forma sutil com que Silas vai se interessando e se apaixonando por Nia, me fez suspirar de tão sublime. Ele forja situações para estar ao lado dela e até grava a sua voz para escutá-la quando está em casa sozinho.
Silas e Nia são jovens. Mas não tão jovens, embora as sensações, interesses e desejos que sentem um pelo outro são super novas para ambos, pois, nunca antes foram sentidas, apesar de Nia, já ter sentimentos bem antes de Silas, todavia os esconde de todos. Aliás, Filme perfeito para Kristen - a atriz de Crepúsculo - que não podia demonstrar emoções neste filme. Ela é perfeita para esse papel. Qualquer diretor do mundo teria pensado nela primeiro. Hehe.



Atriz Kristen Stewart como Nia (super expressiva)

Quando eles tocam um no outro pela primeira vez é tudo muito sensível e cortês. O envolvimento dos dois se dá de forma gradativa. Não como os romances atuais bem efusivos e avassaladores. Não há euforia e sim uma descoberta altamente poética, apesar de perigosa. E eu acredito que é isso que mais me encanta no filme, além é claro, do cunho reflexivo que me trouxe.
No filme, o efeito monocromático mesmo sendo compreensível e inerente à história é entediante, e a falta de ação é bastante enfadonha, mas há muita tensão na questão do romance ter de ser ocultado socialmente, pois isso é um fator super apreensivo e eu diria até desesperador.
É um amor singelo e apesar de toda minha empolgação, é um tipo de filme na medida certa para quem não gosta de romances muito melosos.






Quando assisto obras cinematográficas com essa temática utópica e futurista, ao mesmo tempo vou traçando um comparativo com a nossa realidade e o fato de no filme as emoções e sentimentos estarem quase erradicados, me chocou muito, porque me fez pensar em algo que a nossa sociedade, especialmente os mais jovens, têm cultivado, que é um discurso muito comum de: "Não se apega, não!" Um tipo de conselho para que as pessoas se tornem frias para não sofrerem com as possíveis consequências ruins de um rompimento amoroso.
Em Quando eu te conheci (Equals), as pessoas que sentem, são classificadas como doentes. A possibilidade de chorar com a morte de alguém, o fato de se apaixonar ou querer o toque de alguém, são os sintomas de uma doença em que a cura é almejada por boa parte da população.
Inclusive, há uma parte em que o personagem confessa à sua equipe de trabalho que está doente e seu chefe afirma que assim como já encontraram a cura para o câncer, irão encontrar cura para "isso" também.
Quando as pessoas passam a demonstrar sentimentos, é tido por alguns como vergonhoso, uma grave patologia, por tanto, as pessoas que sentem e tentam um contato mais direto com outros humanos, são denunciados ao Conselho de Segurança e Saúde e têm grandes chances de serem mortos.
Em Equals, é como se as emoções humanas fossem um fator super limitante das nossas competências. Como se afetasse a nossa capacidade cognitiva, intelectual e a eficiência do profissionalismo; algo ameaçador da produtividade e do bem estar. A vida é robótica, sem cor, sem peculiaridades, sem vida! Sem peculiaridades, porque inclusive o nome do filme traduzido significa iguais.






Portanto, traçando esse paralelo entre ficção e realidade, sabemos que, pequenas demonstrações de afeto, amor ao próximo, empatia, solidariedade, compaixão, gratidão, são valores bem raros. E quando há pessoas que demonstram boas doses de alguns desses valores, suas ações são recebidas com estranheza ou desconfiança.
Às vezes as pessoas sensíveis, são vistas como frágeis e vulneráveis. Por isso, algumas pessoas adquiriram resistência em demonstrar afetividade, e muitas vezes se tornaram ou forjam apatia porque não querem ser rotuladas dessa maneira.
Enfim, o filme encerra de uma forma emocionante e mais uma vez eu vi ali a nossa sociedade demonstrada de forma caricata em uma ficção científica que deveria ser uma obra fictícia apenas, porém, infelizmente denuncia sutilmente nossos relacionamentos empobrecidos e mal conservados.
Entretanto, o olhar diferenciado sobre o fim do longa rendeu-me um proveitoso aprendizado: Tudo o que já foi importante e que por algum motivo deixou de ser, se teve relevância, os bons momentos estarão retidos na memória e revivê-las de forma consciente, é imprescindível para dar um novo significado àquilo que já teve um valor na sua vida, pois, nem tudo precisa ser desfeito ou descartado. Embora, também exista a necessidade de se ponderar e refletir com minúcia a insistência no investimento de sentimentos, em algo onde não haja reciprocidade. Para entender melhor, você precisa assistir Equals.



06/02/2017

Sugestão de filme - Ela


Título original: Her

Título no Brasil: Ela 

Em portugal: Uma história de amor

Diretor: Spike Jonze

Gênero: Drama, comédia, ficção científica, romance

Música: Arcade Fire e Owen Pallett

Lançamento: 2013

Elenco Principal: Joaquin Phoenix - Theodore Twombly

                              Amy Adams - Amy

                              Rooney Mara - Catherine

                              Scarlett Johansson - Samantha (voz)




           Ela é um filme bastante intrigante que me fez recordar muito de um dos episódios da tão falada série Black Mirror, por se encaixar nessa temática tecnológica futurista e reflexiva.
          O filme expõe muito da nossa atualidade e em alguns momentos eu ficava encabulada com a forma como o personagem se envolvia e se apaixonava pela voz, inteligência, organização e dedicação de Samantha, um não tão simples sistema operacional.




          

          O longa é um pouco monótono, no sentido de ação. Mas às mudanças que este envolvimento traz ao personagem, são perceptíveis, bem curiosas e é o que nos prende a ele.
          Samantha a princípio existe somente para Theodore. O auxilia com a checagem de seus e-mails e com a edição das cartas que ele escreve. É bem humorada, percebe a beleza da vida e ainda compõe músicas para os momentos em que ela e Theodore estão juntos.
          Um ponto bem curioso do filme, é quando Samanta tenta arranjar um corpo para si. E faz com que Theodore se relacione sexualmente com ele, mas como se fosse a própria Samantha.




          É apenas uma ficção, certo? Mas pode se comparar a alguns aspectos de nossa realidade como por exemplo o tempo em que gastamos nos relacionando virtualmente com outras pessoas.
          O final do filme é surpreendente! Bem diferente do que eu imaginava, porque é bem comum que os humanos se desfaçam das máquinas e não o contrário.





          Apesar do filme obter muitos elementos ainda inexistentes e surreais, o apego dos personagens por seus sistemas operacionais se assemelha muito com o de nossa sociedade aos sistemas operacionais hoje existentes. Aliás o filme pode ser visto como uma sátira da nossa realidade. Uma crítica do nosso apego exagerado à tecnologia, além de trazer à nossa reflexão a intolerância às dificuldades de convivência, ou a intensidade que nos entregamos aos relacionamentos virtuais.

          O que faz com que essas e outras obras que tratam dessa interação humana com a tecnologia transformando o comportamento ou trazendo consequências psicológicas indesejáveis para o indivíduo serem tão assustadoras, é que muitas vezes nos identificamos.



   

          Vencedor de 3 premiações como Melhor roteiro original, incluindo o Oscar.
          Aspectos relevantes a serem ressaltados: A trilha sonora bem original e rica, a sensibilidade e o jeito melancólico de Theodore, a forma como ele se veste (figurino bem interessante, social e despojado ao mesmo tempo. Dá um ar romântico), o zelo que tinha por sua ex-esposa Catherine e sua amizade com Amy. A admiração que recebe pela escrita de suas cartas e a certa facilidade com que seu relacionamento virtual é aceito socialmente.




PS: O personagem me lembrou tanto o Eduardo Sterblich (risos).